Renée Clarita Leon ( 24/06 /1916-10/04/2013)
Seu nome era Renée Esperança. Renée equivale a Renata,
renascida, portanto. Um nome que indicava o futuro. Seus pais morreram muito
cedo e ela foi enviada para o Colégio Anglo-Americano, no Rio de Janeiro. Lá
permaneceu interna até os 16 anos. Pequenina e de pele clara, ganhou o apelido de
Clarita. Ao sair da escola, percebeu que seus documentos ora a nominavam
Clarita ora Renée. Foi a um cartório e se rebatizou Renée Clarita. Sete anos
depois, ao casar-se com Maurice, passou a se chamar Renée Clarita Leon.
Renée Clarita Leon e Maurice Leon no final da década de 30.
Ela cursou o colégio e falava inglês fluentemente. Ao sair
da escola, morou com a irmã mais velha, Esther, que substituía a mãe nos
cuidados e no carinho. A vida de moça fútil não a contentava. Matriculou-se no
primeiro curso da Biblioteca Nacional, estudando paleografia e outras
disciplinas. Queria lecionar, mas seu irmão mais velho, patriarca da
família Esperança, não permitiu. “Vão pensar”, argumentava, “que não tenho
condições de manter minha irmã.”
Seu destino, como o de tantas outras moças bem nascidas no
começo do século XX, era, portanto, ser esposa e mãe. Nada mais. E desse modo
ela passou 33 anos. Teve três filhos,
dois homens, Wilson e Nelson, e uma mulher, Ethel. Sua energia transbordava. Como emparedar
alguém com tamanha vitalidade? Enchia-se de afazeres, mas nem um só deles a
satisfazia plenamente.
Em 1969, Maurice deixou de trabalhar em fábrica de tecidos
e, ao ser tratado pelo médico da família, o grande homeopata Roberto Costa, recebeu
de Clarita a sugestão de montar uma farmácia homeopática confiável em
Petrópolis.
Naqueles tempos, dr. Roberto mandava aviar suas receitas no
Rio, tal a precariedade e a falta de higiene da única farmácia homeopática
existente em Petrópolis. Maurice pôs-se
a estudar e, com a ajuda do filho Wilson, microbiologista, empenhou-se em
fundar uma farmácia modelo, com os mais elevados padrões de higiene, inovação e
compromisso com qualidade.
Clarita passou a ajudá-lo. Uma vez pronta a farmácia,
instalada numa antiga joalheria do Edifício Arcádia, a esposa e mãe decidiu que
não dava mais para ficar na casa vazia esperando o marido para almoçar e
jantar. Enfiou-se no laboratório da
farmácia e passou a aprender com a técnica contratada todas as operações
exigidas para fazer remédios. Desandou a ler e se informar sobre o assunto também.
Dr. Roberto, radiante, começou a desenvolver novas pesquisas
de matérias primas, que levava para a farmácia. Nesse período, Maurice e
Clarita procuravam plantas e outras materiais para fabricar, eles próprios, as
chamadas tinturas-mães, que dão origem às dinamizações homeopáticas. Foi um
período épico, de intensa pesquisa e muito trabalho.
Clarita participou de todas as etapas da construção de um
acervo homeopático próprio, sempre escondida no laboratório, no piso superior
da farmácia. Maurice era o homem de negócios. Era ele quem lidava com
fornecedores de embalagens, de produtos prontos, quem administrava as finanças
e atendia a clientela.
Em 1973, o casal teve um grande baque, ao descobrir que
Maurice desenvolvera um câncer, que viria a matá-lo em agosto de 1975.
A expectativa de muitos, nesse momento, era que Clarita
fechasse a farmácia e se instalasse junto das irmãs, no Rio. Mas ela se recusou
a isso. Apesar de nunca ter assinado um cheque, nunca ter visto uma fatura ou
nota fiscal, decidiu levar a farmácia à frente, com apenas dois colaboradores e
a supervisão do filho Wilson. Seu filho Nelson conta que
quando Maurice estava doente,
Clarita se sentava, após o jantar para fazer o livro caixa da farmácia, que era
escrito a mão. Na época, os instrumentos de cálculo eram grandes e pesados e Nelson, engenheiro, presenteou-a com um modelo novíssimo de
máquina de calcular, pequena e prática, que ela, rapidamente, aprendeu a usar.
Eram os anos 1970, quando os movimentos contraculturais
passaram a valorizar a medicina homeopática como alternativa à agressividade de
muitos medicamentos alopáticos. A farmácia começou a ter cada vez mais
clientes. Dr. Roberto Costa e, logo depois, dr. Orlando Mollica, um dos
precursores da
medicina homeopática no Brasil, decidiram confiar à Farmácia Homeopática
Brasileira, com Clarita à sua frente, a exclusividade de suas fórmula, que a
FHB detém até hoje.
Nos anos 1980, Clarita completou o quadro de
funcionários com a equipe que trabalha até hoje na farmácia, Carlos Alberto Cescol, Maria da Conceição Carneiro, Deise Aparecida de Sá e Luana da Rocha Tesch. Ela os formou, não só
nas técnicas, nas práticas, mas também ensinou-os a terem imenso respeito
pelos clientes, todos, sem distinção.
Na foto: Luana, Conceição, Deise e Clarita, no laboratório da farmácia do edifício Arcádia em 2004.
Na foto: Carlos, Conceição, Deise, Clarita. Luana e a neta Natália na farmácia do edifício Arcádia em 2004.
Desde sempre, Clarita nunca negou um remédio a quem
precisava, mesmo que fosse preciso doá-lo. Nunca colocou as finanças acima da
ética. Muitas vezes , quando seu filho Wilson argumentava que a farmácia
precisava reajustar os preços, especialmente nos períodos de inflação
galopante, Clarita contra argumentava, alegando que a homeopatia era também uma
alternativa aos preços abusivos da alopatia. Também nunca aceitou dar comissão financeira para comprometer algum médico com a indicação de sua farmácia. Nunca deu um só passo para reclamar da concorrência desleal e antiética. Acreditava em seu próprio trabalho e repetia: “o sol quando nasce, é para todos!”
Em 1996, Wilson se aposentou do Instituto de
Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde lecionava. Com
várias possibilidades de trabalho à sua frente, decidiu-se por aceitar o
convite da mãe e abrir com ela uma farmácia de manipulação vinculada à farmácia
homeopática petropolitana. Nascia, então, a Farmácia de Manipulação Clarita, no
shopping Bauhaus extensão, ela também montada com o esmero de quem só se
contenta com o melhor.
Nesta farmácia começou a trabalhar a farmacêutica e
ex-aluna de Wilson, Sandra Matsumoto, que rapidamente se tornou praticamente um
membro da família Leon. Tudo parecia ir muito bem. A sucessão da farmácia,
quando precisasse ser realizada, já estava feita. No entanto, em 5 de fevereiro
de 2010, morria Wilson, depois de 4 meses de sofrimento em hospital.
A farmacêutica e gerente Sandra da farmácia do Bauhaus no início de 2011.
Muitos pensaram, nesse momento, que Clarita não
sobreviveria. E que, caso sobrevivesse, tenderia a ser alguém inativo e
depressivo. O golpe foi muito duro. Wilson era não apenas seu filho, mas o
sócio, o administrador, o farmacêutico responsável, o pesquisador incansável, o
companheiro de caminhadas e de almoços.
Por mais angustiada e sofrida que estivesse, Clarita
não se afastou da farmácia do Arcádia. Foi lá, junto a seus fieis escudeiros,
que ela conseguiu forças para seguir adiante e reformular o quadro pessoal,
contratando o farmacêutico Rodrigo Mello para o posto de farmacêutico responsável e seguindo em
frente.
Todos a consideravam imortal. Sua idade, ela sempre
escondia, protegendo-se dos preconceitos que existem contra os não jovens. Com
seu humor permanente, respondia às indiscretas perguntas sobre sua idade com um
sorriso maroto: “38 anos”...
Fachada da Farmácia no Edifício Arcádia, início de 2011. Lá dentro: a filha
Ethel, dona Clarita e Carlos.
É que seu físico e sua cabeça não eram de alguém de 96
anos. No hospital, nas ruas, no calçadão onde caminhava no bairro do Leblon,
aos domingos, ninguém lhe atribuía a verdadeira idade. As pessoas desconhecidas
sempre comentavam: “que linda pele, que bom humor, que educação, que pique...”
Dona Clarita em casa, no início de 2011.
Mas Clarita não era imortal. Depois de uma cirurgia de
vesícula e de uma pancreatite, apresentou complicações hospitalares e sucumbiu.
Além de doces e divertidíssimas lembranças, deixa vivas, muito vivas, as
recordações de seu compromisso com o trabalho; seu amor à homeopatia e à fitoterapia; seu companheirismo com os
funcionários; sua integridade diante dos clientes, dos médicos e dos demais
profissionais de saúde.
Viva Clarita!
Ethel Leon é jornalista, professora universitária de História de Design e escritora. Filha mais nova de Renée Clarita Leon, viveu de perto, junto aos seus irmãos Nelson Leon e Wilson Leon, a história das Farmácias de Petrópolis.
Ethel Leon é jornalista, professora universitária de História de Design e escritora. Filha mais nova de Renée Clarita Leon, viveu de perto, junto aos seus irmãos Nelson Leon e Wilson Leon, a história das Farmácias de Petrópolis.
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